Aquilo que gostava de ter sabido sobre amamentação.


Houve momentos em que pensei desistir. Lembro-me de ter a Chloé no colo, quarenta e oito centímetros de uma vida mais pesada do que o mundo. Lembro-me de ela dormir, e de o meu olhar pousar no bico do meu mamilo, vermelho do sangue e da força com que ela nasceu. Questionei muitas vezes o sentido da insistência, a rotina prisioneira que se parecia impor sobre a minha dor. Decidi que era um sacrifício que valia a pena suportar. Hoje, seis meses depois, ela ameaça deixar de mamar, uma decisão que me foge das mãos, e que dava tudo para poder evitar - pelo menos para já. De uma forma egoísta, não me sinto preparada para abandonar o nosso vínculo exclusivo. É engraçado dizê-lo agora, depois de tudo, e perceber que o tempo nos tornou tão fortes.

Aprendi que a amamentação é um processo que exige calma e tempo, para lá do amor e da noção dos seus benefícios. Acredito muito na liberdade de escolha da mulher, que como ninguém conhece o seu corpo, os limites a que o deve levar, e os propósitos das suas acções. Não escrevo este post na intenção de doutrinar ninguém. Não permiti que me impusessem verdades, apenas universais aos olhos extremistas dos outros, pelo que jamais interferirei, pelo menos conscientemente, no espaço íntimo que é a maternidade de outra mulher. Escrevo para as mães que, como eu, sabem que querem amamentar, insistem e sentem na dificuldade um entrave que querem contornar, mas que não têm ninguém que lhes diga como.

É para elas que escrevo. E a frase-chave é mesmo essa: a amamentação é um processo que exige calma e tempo. São só palavras, que dentro de si contém muitas outras, mas são as palavras certas. Gostava que mas tivessem dito. Gostava que mo tivessem explicado.

Gostava que me tivessem dito que, durante as primeiras semanas, o útero contrai no momento da amamentação. Gostava que me tivessem preparado para o desconforto desses instantes.

Gostava que me tivessem avisado que era errado deixá-la mamar durante três horas no mesmo peito, tal como gostava que me tivessem aconselhado, ainda assim, a deixá-la mamar durante o tempo que ela quisesse - o segredo estava em intervalar.

Gostava que me tivessem informado do quão dolorosas seriam as primeiras chupadas, durante as primeiras semanas, sempre que ela fechasse a boca em volta do mamilo. Gostava de ter sabido que a pele ia criar ferida, e gostava que me tivessem pedido, com tranquilidade, para não guinchar de dor nem de surpresa sempre que isso acontecesse. Gostava que me tivessem dito que ia ter que controlar as expressões faciais e evitar a contracção do corpo como resposta à dor, para que ela não sentisse o meu incómodo e se retraísse também.

Gostava que me tivessem aconselhado mais cedo a usar Purelan, o creme que salvou a minha vida, que me permitiu ter coragem e força para continuar a amamentar a minha filha, e que curou, em meia dúzia de dias, as minhas gretas e as minhas lágrimas.

Gostava que não me tivessem assustado tanto com a subida do leite, e sim que me tivessem dito que, no banho, intercalar água fria com água quente me iria aliviar em muito o peso e o ardor no peito.

Gostava que me tivessem preparado para a sede e para a fome que senti. Muita, a toda a hora. Gostava de não ter criado expectativas irrealistas quanto à recuperação do meu peso pré-gravidez.

Gostava de ter percebido, mais cedo, que é normal não me sentir confortável ao amamentar nas posições que as enfermeiras me recomendaram. Gostava de ter percebido que não sou igual a nenhuma outra mãe. Gostava que me tivessem sussurrado: Filipa, o segredo é a intuição. Gostava de ter amamentado, desde o primeiro dia, com uma almofada nas costas e as pernas quase à chinesa, uma delas a amparar a cabeça da minha filha, os braços em concha. Gostava que me tivessem evitado as dores no pescoço e a frustração de pensar que algo estava errado comigo.

Gostava que me tivessem preparado para o quão sozinha me ia sentir. Gostava de ter evitado os pensamentos tristes da madrugada, a sensação de abandono e de que tanto dependia tanto de mim. Lembro-me de receber visitas em casa, de ouvir as vozes e os risos através da porta fechada do quarto - a minha filha, recém-nascida, só conseguia mamar num ambiente tranquilo - e de chorar durante os quarenta minutos em que aguentei sozinha todo um processo que me era novo. Gostava que isso não tivesse acontecido.

Gostava, acima de tudo, que me tivessem dito que tudo ia melhorar. Porque melhorou. Com calma, e com o tempo. 

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