Filha,
Esperei ansiosa pelo dia em que casaria os anos. Sinto muito mais as letras do que os números, e esse é um facto que vem de sempre, mas a perspectiva da sobreposição de oitos em oitos, como no desenhar do infinito, deixava-me ansiosa e feliz. Esta quarta-feira, casaste tu os meses. O sete também é um número especial, muitas vezes reservado apenas aos melhores - pelo menos, na linguagem do futebol que domina a minha vida. É nessa mística que te antecipo a vitória dentro de tantas coisas boas.
Foi coincidência, mas passámos o dia a calcorrear ruas de uma grandeza que a História não conta o suficiente. Belém é, além da beleza do rio a engolir a terra e da monumentalidade que nos traz ao presente os feitos de que nos esquecemos ser capazes, a calmaria camponesa de uma cidade sempre em borbulhado. É Lisboa, mas não parece Lisboa. Os turistas não a deixam descansar, mas mesmo assim tu absorveste tudo - a dormir, numa paz só recentemente alcançada.
Há uma semana que dormes 12 horas por noite. Comes carne e peixe sem distinção, continuas a adorar sopa, a papaia é o teu novo fruto favorito. Com o calor, já não fazes tantas caretas à água. Adoras saltar de colo em colo e ninguém sai triste da tua presença: a todos brindas com um sorriso. Ganhaste força repentina nas pernas, aguentas-te em pé e forças-te contra o nosso colo para contrariar o tempo que passas sentada. Estás fascinada com a tua imagem no espelho, tentas abraçar-te e tocar-te em gargalhadas. Adoras crianças e animais, e tens uma tendência viva para dar carinho e amor. Pelo caminho, arrancas cabelos, marcas peles e puxas lábios, mas a intenção é boa. Estás a ficar mais parecida com o teu pai, mas continuas a ser uma fotocópia da bebé que fui. Quando te digo "filha, diz olá", deitas a língua de fora e cospes a minha intenção forçada. És a alegria da casa - és sempre.
Adoraste andar de barco. Aquilo que te move é o movimento. Sorriste para o azul da água em espuma, para a Ponte e Cascais à distância, para os montes verdes que nos devolvem o ar. Não pareceste assustada ou deslocada. De alguma forma, ainda te deixas encaixar em todos os lugares. Espero que mantenhas sempre essa capacidade de adaptação.
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